Por que alguns sacerdotes se suicidam?

Sacerdotes / Foto: ACI Prensa
Sacerdotes / Foto: ACI Prensa

Querido povo de Deus, como é fácil escandalizar-se com as menores falhas dos nossos! Eu sinceramente peço que você os ame mais.

Dia 10 de setembro foi o Dia Mundial da Prevenção ao Suicídio e recentemente lemos a notícia de dois padres franceses que se suicidaram. Realidade triste que nos rodeia e que pode ocorrer a qualquer momento onde menos esperamos.

Durante o meu ministério no mosteiro, escrevi uma carta interna para toda a Fraternidade Monástica: “Sacerdócio: do encantamento ao suicídio“. A discussão surgiu pela ansiedade que me causou a notícia dos 17 padres que se suicidaram no Brasil entre 2017 e 2018.

Quem segue Jesus totalmente sem reservas nunca se arrepende. Quem foi chamado ao sacerdócio (em geral é assim) no dia da ordenação, não pode conter a alegria. É o culminar de uma etapa da própria vocação. Agora se sente disposto a viver a pastoral, a se doar na realidade viva da paróquia às pessoas que lhe serão confiadas, desenvolvendo o ministério que Cristo lhe confiou.

Jesus é sempre fiel, mas infelizmente nas vidas humanas as tentações são inúmeras e, a certa altura, qualquer pessoa pode começar a perder o verdadeiro sentido do chamado e da resposta vocacional.

Aqueles que aceitaram seguir este apelo e se encantaram por Jesus podem, nos anos de formação, viver continuamente o sonho do ideal: a espiritualidade ideal, a paróquia ideal, os ideais dos fiéis, o clero ideal e, face à realidade que oscila entre o espiritual e o cotidiano, nota as diferenças entre o que sonhou e a realidade presente.

Muitas vezes, durante seu ministério, o jovem que aceitou seguir Jesus com tanto entusiasmo se vê frustrado pela impossibilidade de realizar os projetos que tinha. Existe também a possibilidade de se frustrar com as opções pastorais da diocese, com a falta de fraternidade com o seu clero ou mesmo com a eventual falta de paternidade por parte do bispo ou superior. Surge aqui a dificuldade de compreender que a singularidade do ser humano passa pela compreensão do grande paradoxo de ser carnal e espiritual.

Percebendo esta dicotomia, a lista de problemas pode tornar-se incomensurável: o sacerdote se vê inundado por um contínuo cansaço físico e psicológico, e pode começar a desenvolver uma frieza para com o ministério que antes exercia com tanto zelo.

Em entrevista ao bispo de Troyes, Marc Stenger, o prelado disse que ao ouvir a notícia do suicídio dos padres da sua diocese, se perguntou “O que é que eu fiz? Ouvimos seu grito? (…) O que nos leva à seguinte pergunta: será que estamos tão preocupados com os problemas da administração da Igreja que não prestamos atenção suficiente ao povo?

Na sequência das suas perguntas, gostaria de refletir convosco sobre três pontos: o primeiro dirige-se mais diretamente aos bispos, o segundo aos sacerdotes e o terceiro ao Povo de Deus.

Foto: Divulgação/CNBB
Foto: Divulgação/CNBB

Caros Bispos, devemos antes de tudo lembrar que quem se suicida não quer se suicidar, mas apenas matar a dor que os sufoca, mas diante da impossibilidade de matar essa dor, não encontrando alternativas, eles tiram a própria vida, resolvendo de forma definitiva o que seria um problema temporário.

Antes de fazer isso, porém, ele seguramente pediu ajuda! Ele deu algumas pistas, e é bem provável, senhor bispo, que quem estava ao lado dele não soubesse entender esses sinais, e que aqueles padres encontraram no suicídio a única maneira de se livrar do que os estava matando aos poucos por dentro.

Para isso, é necessário recordar um aspecto fundamental que infelizmente durante os meus anos como missionário, verifiquei como reclamação de muitos sacerdotes: os sacerdotes não podem se sentir crianças, muitas vezes são tratados como empregados do Sagrado e sentem nos ombros imposições ou ordens, que nem sempre são fruto do pensamento eclesial, mas uma ingerência, às vezes contra o próprio direito canônico. Caros Bispos, não podemos obedecer a uma ordem injusta, quer  venha do Presidente da República, quer venha do Papa, mesmo em situação de epidemia! E aqui eu acredito que respondemos à segunda pergunta do bispo. Muitas vezes a administração e as suas ideologias contaram mais do que a vida das pessoas! O indulto, por exemplo, continua indulto, e não pode ser imposto como uma ordem, dependendo da ideologia de esquerda ou de direita que uma Conferência Episcopal poderia ter.

No dia da ordenação sacerdotal, são belas as palavras com que a Igreja nos convida a dirigir-nos ao bispo para a escolha do candidato: “Reverendíssimo Padre, a Santa Madre Igreja pede que este nosso irmão seja ordenado sacerdote”. Meus queridos amigos, a Igreja nos exorta a chamar o bispo de Padre, não de patrão ou administrador ou qualquer coisa assim! Por isso, a primeira coisa que os padres esperam de seus bispos é a paternidade! Quantas vezes nos últimos tempos ligou para os sacerdotes da sua diocese e perguntou-lhes como estavam? Creio que não há nada mais bonito para um padre do que receber um telefonema ou a visita de seu bispo e antes de ouvi-lo perguntar como vão as finanças da paróquia, ouvi-lo perguntar com sinceridade “Meu filho, como vai você? Você orou? Como está sua saúde? Você comeu bem? Como está você com o Povo de Deus que lhe foi confiado? E a pastoral?” E só depois se pode falar sobre finanças …

Triste, mas real. Esta é a situação de grande parte do clero, que necessita não só de ser pastor de almas, mas também empresário. Ele é forçado a produzir números. Caros amigos, os vossos sacerdotes não saíram de casa para se tornarem administradores, mas para serem pastores de almas. No número 1592 do Catecismo da Igreja Católica se lê: “Os ministros ordenados exercem o seu serviço junto do povo de Deus pelo ensino (munusdocendi), pelo culto divino (munusliturgicum) e pelo governo pastoral (munusregendi)”. Por isso administrar as finanças é outra coisa que fazem, e não deve estar em primeiro lugar na dimensão da vida de um sacerdote.

Caros irmãos sacerdotes, é muito fácil culpar os superiores e eliminar os nossos ou fingir que não participamos. Jesus pronuncia uma frase muito significativa: “Ele o viu, teve pena (compaixão é melhor- pena é um sentimento negativo em português) dele e o curou” (Lc 10,33), somos chamados a nos perguntar “Quem é o meu próximo?

Muitos certamente se perguntam como é possível analisar os casos de suicídio sacerdotal, visto que os padres devem ter uma maior consciência do ato suicida e das consequências de tirar a própria vida. Disso surgem numerosos comentários e julgamentos.Todos somos convidados a lembrar que ninguém tem o direito de condenar o fato de alguém ter cometido suicídio, também porque quem o fez pode pensar que agiu certo, pensando que seu ato foi correto, talvez por estar passando por uma situação de extrema angústia moral e só Deus pode saber e entender o que estava no coração de quem o cometeu.

Em nossas realidades sacerdotais, devemos estar mais atentos a nós mesmos e aos nossos irmãos. Também nos foi confiada a missão de cuidar dos outros, e quem é o meu próximo? Um doutor da lei certa vez pediu, para colocar Jesus à prova (cf. Lc 10,29-37). Hoje somos chamados a voltar às páginas do Evangelho e a perguntar-nos “Quem é o meu próximo?

Em nosso ministério somos chamados todos os dias a viver a dinâmica do bom samaritano. Vivê-lo com nosso povo, mas principalmente com nossos irmãos de ministério.

Quantos irmãos abandonados, que não encontram apoio e estão condenados à solidão do seu ministério! Muitas vezes cercado por pessoas, mas totalmente sozinho em seu mundo de angústia e ansiedades sacerdotais.

Somos chamados mais do que nunca a ser humanos, a reconhecer as nossas reais necessidades e a acolher as dos nossos irmãos. Devemos deixar nossos mundos vazios e caminhar com o outro que é tão diferente, sabendo que apesar de tudo ele é o meu próximo de quem Jesus tanto fala nos Evangelhos.

Em um mundo tão vazio, com uma enorme perda de sentido e relacionamentos efêmeros, como posso dar sentido à minha vida? Parece fácil, mas sabemos que não. Devemos viver a dimensão da união sacerdotal, viver e lutar por ideais comuns.

Quanto tempo teremos de lamentar a perda de irmãos que tiraram suas próprias vidas? Que sentido tem ter de esperar o próximo se suicidar para começar a chorar e se arrepender enquanto em uma bela e dolorosa procissão levamos seu caixão ao cemitério, alimentados de perguntas, de razões imensas que talvez jamais serão respondidas?

Chegou a hora de repensar nossa vida e nos perguntar “Qual é o sentido da minha existência? Onde e como posso redescobrir o sentido da vida? Como posso ajudar meu vizinho que perdeu o sentido da vida?

Querido povo de Deus, como é fácil escandalizar-se com as menores falhas dos nossos sacerdotes! Peço-lhe sinceramente: ame mais os seus sacerdotes, reze por eles e, em vez de julgá-los, tente compreendê-los.

Os sacerdotes não são anjos, não são apenas seres espirituais. Eles precisam experimentar carinho, hospitalidade e companheirismo. Nem muito nem pouco, tudo na medida certa. Às vezes, uma recepção verdadeiramente humana é suficiente.

Irmãos, acordemos todos o mais cedo possível e olhemos com os olhos do coração, com os olhos da fé, do amor livre e da misericórdia para com quem nos rodeia. Sejamos sensíveis ao grito silencioso de quem muitas vezes está ao nosso lado, mas que a nossa insensibilidade não nos faz perceber. Devemos ajudar uns aos outros antes que seja tarde demais.

É extremamente importante sermos mais humanos e encontrarmos o sentido da nossa vida, humanizando-nos cada vez mais como o verdadeiro humano por excelência, Jesus Cristo, que chorou ao saber da morte do seu amigo Lázaro e o ressuscitou (cf. Jo 11, 35).

Não temos o poder de ressuscitar ninguém que morreu fisicamente, mas certamente temos o poder de ressuscitar com nosso amor sincero muitos corações que ainda vivem fisicamente, mas morreram porque perderam o sentido da vida, que vivem como se já não existissem mais.

Choremos com os que choram e alegremos com os que se alegram (cf. Rm 12,15). Que a nossa vida seja um perfume agradável que, ao lado dos nossos irmãos mais necessitados, possa redescobrir o sentido da existência. É ajudando outras pessoas a encontrarem o sentido de suas vidas que encontraremos o verdadeiro sentido da nossa.