IGREJA DE FUNCIONÁRIOS OU DE PASTORES?

Pobres, refugiados, enfermos e detentos almoçaram com o Papa nas mesas colocadas na Basílica de São Petrônio, em Bolonha. (AFP)

A história da carta do presidente da Conferência Episcopal dos Estados Unidos contra a agenda do aborto de Biden levanta o problema relevante da liberdade dos bispos de ensinar a verdade. É desagradável que os impedimentos para a carta tenham vindo do topo da Igreja, cuja fraqueza, hoje, se reflete na fraqueza de seus bispos, que não falam mais de muitos argumentos justos porque são intimidados e controlados.

No site da Conferência Episcopal dos Estados Unidos, o texto da carta do Arcebispo José Gomez, seu presidente, a Joe Biden está aí e pode ser lido. Nos últimos dois dias, porém, circulou a notícia, a que o “Nuova Bussola” se refere separadamente, de uma censura vaticana à própria Carta, que fora retirada da Internet, embora agora também tivesse deixado sua marca em sites de algumas dioceses. Perigo superado, então? Sim, mas o fato sem precedentes deixa muita amargura na boca e é, à sua maneira, um sinal da lenta desintegração que está ocorrendo na visível Igreja Católica. A história levanta o problema relevante da liberdade dos bispos católicos de ensinar a verdade. Só o fato de que este problema deva ser colocado diz muito sobre a gravidade da situação eclesial.

A liberdade de expressão dos bispos não significa – note bem – a liberdade dos bispos, como indivíduos e cidadãos, de expressarem livremente suas opiniões em público; significa antes a liberdade dos bispos de poderem ser bispos depois de terem sido feitos bispos com a ordenação, isto é, de exercer suas três tarefas: ensinar, santificar e governar. Procurou-se evitar que o chefe dos bispos americanos fosse um “mestre da fé“, como expressa o decreto sobre os bispos do Vaticano II.

O que é particularmente desanimador é antes de tudo que o impedimento para dizer a verdade não veio daqueles que se opõem à Igreja, mas da Igreja, na verdade, da própria cúpula da Igreja. Em segundo lugar, é o objeto da Carta censurada, a saber, a vida, o casamento, a família, a ordem natural das relações humanas primárias, o abc da moralidade e da vida humana e cristã. Os bispos que afirmam as maiores travessuras sobre esses tópicos não são silenciados, enquanto os bispos que reafirmam as verdades cristãs sobre o homem são contestados de cima. Os bispos da Alemanha que pretendem abençoar casais homossexuais ou que buscam o sacerdócio feminino podem falar livremente. A comunicação do Vaticano nem é mais precisa. Para dizer a verdade, nem mesmo específica quando expressões bizarras são atribuídas ao papa. Os bispos são livres apenas quando dizem esquisitices? A paresia, ou seja, a liberdade de falar sem obstáculos ou hesitações em deferência ao Espírito, é válida apenas em um sentido? E onde termina a sinodalidade se os bispos são impedidos de expressar o ensinamento de toda a Igreja?

A leitura da Carta expressa uma posição equilibrada: destacam-se alguns aspectos do programa de Biden que os bispos consideram adequados, mas ao mesmo tempo adverte fortemente contra os programas relativos à vida e à família, convidando a nova administração a mudar radicalmente de curso. Não há nada desafinado, nada excessivo. A culpa, então, só poderia ser ele ter dito isso. Deste ponto de vista, o contraste entre esta Carta e as posições expressas pelo Papa Francisco sobre as eleições americanas é muito evidente. Quando Biden ainda não havia recebido a designação, o papa imediatamente o parabenizou, na esperança de colaborar em alguns campos como meio ambiente e imigração. Nenhuma menção às dolorosas questões de aborto e gênero. Por ocasião da cerimônia de investidura em 20 de janeiro, o papa falou novamente, dizendo para orar pelo novo presidente para construir uma sociedade onde aqueles que não têm voz sejam respeitados. Os primeiros a não ter voz são as crianças que são impedidas de nascer, violadas no útero e vendidas em pedaços com financiamento do governo. Mas nem mesmo nessas palavras do papa havia uma referência explícita ao problema do aborto, embora o programa Biden fosse muito explícito sobre o assunto. Já a Carta de Gomez, que ao invés falava claramente nesta frente, expôs as afasias do pontífice.

São muitas as razões políticas para esta censura: os bispos americanos disseram (e dizem, visto que a Carta permanece) o que o Papa não quis dizer, destacando as afasias, os progressistas terão chamado Roma, ameaçando e apoiando a inoportunidade da Carta que, segundo eles, teria dividido o episcopado americano; o Vaticano não queria que o rompimento com Biden neste ponto comprometesse a colaboração com os demais, considerados principais, mesmo que não o sejam. Mas essas políticas são as causas caras ao mundo; para nós, o verdadeiro problema deve ser o que acontece com a liberdade do episcopado.

Em várias ocasiões, salientei que hoje a fraqueza da Igreja é sobretudo a fraqueza do seu episcopado. Os bispos hoje estão controlados, amedrontados, medrosos, já não falam de muitos assuntos, as conferências regionais e nacionais os condicionam e ditam as suas regras, eles se entendem como funcionários, há um clima de proscrição, de censura preventiva para que não ajam de certa forma … muitos estão realmente lutando. No entanto, eles “sucedem aos apóstolos“, são “mestres da fé, pontífices e pastores“, devem ser “testemunhas de Cristo diante de todos os homens” [é sempre o decreto Christus Dominus a dizê-lo]. A Igreja precisa de bispos; bispos, que não sejam inibidos, controlados ou censurados quando falam a verdade.